A lei da rua

por Vinícius Leal

É livre a manifestação do pensamento. Livre é o exercício de qualquer trabalho. É livre a expressão de qualquer atividade artística, intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. Apesar do artigo 5º da Constituição Federal não deixar dúvidas e permitir que manifestações artísticas e culturais sejam feitas em espaços públicos, a maioria dos artistas de rua, por todo o Brasil, sofre recriminação e repressão do poder público.

O trabalho artístico feito na rua é culturalmente confundido com delinquência e vandalismo, visão que é partilhada pela sociedade e pelos governos. Essa visão preconceituosa cria uma relação de conflito e tensão, e às vezes desumana, entre a força do Estado e esses profissionais – diversos são os exemplos em que agentes de segurança ou policiais utilizam da violência para retirar artistas da rua de logradouros públicos.

Em praças e locais considerados patrimônio público em Manaus, há impedimento de seu uso para a prática artística cultural. Segundo a Prefeitura, os artistas, assim como vendedores ambulantes e bancas de revista, precisam receber autorização da Secretaria de Turismo para utilizar esses lugares. Para os espaços públicos da cidade coordenados pelo Governo do Estado também é necessária uma autorização.

Assim, o Executivo coloca a prática artística no mesmo pacote que as atividades comerciais. O desinteresse com o assunto é demonstrado pela total ausência de propostas, tanto na Prefeitura de Manaus quanto na Câmara Municipal, em criar normas e regras para organizar a cidade e, ao mesmo tempo, garantir que manifestações artísticas sejam feitas. Um vídeo na internet registra o momento em que agentes de segurança no Largo São Sebastião, no centro da cidade, impedem que músicos se apresentem no local, situação essa que é comum em outros pontos da capital amazonense onde há “fiscalização”. O Largo é da alçada da Secretaria de Estado de Cultura.

O vídeo foi editado pelo autor e possui mais de 500 exibições

No resto do país não é diferente. Em cidades como São Paulo e Belo Horizonte, tempos atrás, a polêmica retornou, e o poder local tentou fechar o cerco contra cantores, repentistas e artesãos, limitando o uso de logradouros públicos e impedindo apresentações até com agressões físicas. Na época, também surgiram vídeos na internet mostrando a maneira violenta com que policiais impediam os profissionais de fazer sua arte na rua. Milhares de pessoas assistiram as imagens e não deixaram de comentar, debater e apoiar os artistas.

Em julho deste ano, a prefeitura paulistana, após grande pressão, estabeleceu regras, através do Decreto 52.504, para disciplinar a utilização das vias e espaços públicos pelos artistas – algumas dessas medidas já eram praticadas por eles, mas ainda não estavam normatizadas. Porém, o documento privou os profissionais da venda de produtos de própria autoria, como discos e artesanato, só sendo permitidas contribuições voluntárias do público.

Em Belo Horizonte, a situação esquentou bastante. Em agosto de 2011, na famosa Praça Sete de Setembro, marco histórico de BH e conhecida por congregar grande número de artesãos – chamados por alguns de hippies, devido a aparência física –, ocorreram episódios que são exemplos da maneira truculenta com que agentes do poder público agem com os artistas. Durante uma ação da Prefeitura, houve apreensão e violação de bens materiais e abuso de poder – o que é inconstitucional, pois o art. 5º da CF, inciso LIV, diz que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Durante dias, vários artistas foram não só impedidos de exercer sua arte na Praça Sete, mas também de possuírem de volta sua matéria-prima de trabalho – tudo foi extraviado e não retornou às mãos dos artesãos. Porém, a ação repressora foi registrada pelo fotógrafo Rafael Lage e compartilhada na web, ganhando repercussão e apoio de internautas. Após forte mobilização dos artistas e de várias reuniões com vereadores na Câmara Municipal, a Prefeitura da capital mineira publicou, em setembro, no Diário Oficial, o Decreto 14.589, cujas regras são as mesmas decididas em São Paulo, com um acréscimo: as apresentações dos artistas de rua não podem ultrapassar a duração de 4 horas e devem ser concluídas até as 22h.

“Quem é o ladrão?”: primeira parte do vídeo sobre o acontecimento na Praça Sete

“O artista subjugado”: os dois vídeos juntos somam quase 40 mil exibições

Em Brasília, está tramitando o projeto de lei 1096, de autoria do deputado federal Vicente Cândido (PT-SP), que tem o propósito de estabelecer para âmbito federal uma lei que garanta o direito de artistas se apresentarem em espaços públicos. A novidade na iniciativa é a permissão para que os profissionais, além de receberem dinheiro do público voluntariamente, possam vender produtos autorais, serem contratados por empresas e ainda portarem mensagens comerciais de patrocinadores. O projeto de lei já passou pela Comissão de Educação e Cultura, e não sofreu nenhuma alteração no seu teor. Agora deverá seguir para as Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Na Câmara Municipal de São Paulo, no dia 21 de novembro de 2011, ocorreu um encontro entre movimentos artísticos e vereadores para discutir a proposta do PL 489, que pretende modificar algumas regras da lei municipal já existente. Agora a ideia é permitir que os artistas de rua comercializem bens culturais duráveis como CDs, DVDs, livros, quadros e peças artesanais, desde que sejam de autoria própria. A proposta também quer estabelecer limite de tempo de trabalho, que seria até as 22 horas. Segundo a assessoria de imprensa do vereador Alfredinho (PT), um dos seis autores do projeto, a discussão tem caráter de urgência.

Como dito acima, não há nenhuma proposta semelhante da administração pública em Manaus para organizar e formalizar a prática artística e cultural na rua. Fica para o bom entendimento a existência de uma política desinteressada e desinformada, onde corre uma permissão falseada para que os profissionais pratiquem manifestações artísticas nos espaços públicos. Não é preciso ocorrer conflitos com os artistas de rua para que o poder executivo tome alguma atitude. Esses conflitos já acontecem, e a Prefeitura se faz de cega.

Para além dos conflitos já existentes com os artistas de rua em todo o país, talvez haja outros motivos para que alguns governos queiram organizar a casa – ou a rua. Temos grandes eventos internacionais vindo por encomenda, como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro: momento em que o poder público procura cumprir determinações internacionais para que esses eventos aconteçam, onde estão incluídas aí questões sobre a organização do espaço público. Dessa maneira, a classe de artistas de rua precisa, seja na forma de organizações não-governamentais ou como sociedade civil organizada, aproveitar o cenário atual e se movimentar; acompanhar de perto os debates e exigir seus direitos: que a rua tenha um lugar garantido para a arte.

3 Respostas para “A lei da rua

  1. porque nao podemos nos expressar ,se temos o direito de ir e vir ;se e` que somos livre

  2. manoel x de jesuis filho

    Parábens meu irmão, pois sei bem o q é isso. Sou mágico mestre de capoeira e artista de rua, tenho sofrido muito com essa represão, acho injusto por demais a forma q samos vistos por esses fiscais de prefeituras, as vezes viajo 400 500 klm e sou impedido de mostrar meu trabalho

  3. timoteo comapa

    A arte , produz resultado transformador em uma sociedade fexada… ( PODER PUBLICO ) se liga … renda se ao encanto de quem sabe fazer da arte um mundo adimiravel.

Solte o verbo