O que seria de nós?

por Paulo Roberto Olímpio

A tarde cai sinalizando que mais um dia de trabalho chega ao fim. Logo na saída do serviço passo a perceber tudo aquilo que estava alheio durante as oito horas enfurnado dentro daquelas quatro paredes: o corre-corre das pessoas, os passos frenéticos de mães carregando seus filhos da escola, o buzinar ensurdecedor dos carros e ônibus que reclamam, aos berros, de um trânsito lento e maluco… todos guarnecidos, bem ao alto, por edifícios enormes e imponentes, que como torres de vigia montam o cenário desta louca selva de pedra; uma selva onde só sobrevivem os mais fortes!

E em meio a toda aquela paisagem, já dentro do terminal de ônibus da Constantino Nery, onde muitos falam e poucos ouvem, consigo distinguir um som familiar: cadências de notas musicais bem arranjadas tocam, ao longe, uma das músicas mais belas que já ouvi em toda a minha vida!

Tento erguer a cabeça, já dentro da estação de ônibus, procurando de onde viria este som? Deve ser de algum bar aqui próximo, penso eu, porém eis que do outro lado da rua vejo um sujeito baixinho, muito elegante por sinal, com uma boina na cabeça que lhe dá um charme a mais e o distingue de todos os transeuntes.

Este senhor traz em mãos seu instrumento de trabalho, um saxofone dourado e brilhante que, com ele, toca aquela música tão bela: Porto Solidão, do Jessé!

Fico hipnotizado pelo som daquele instrumento! Por um instante, sinto-me como se estivesse na plateia do Teatro Amazonas sentado, sem ninguém ao meu lado, ouvindo aquele músico tocar, única e exclusivamente, para mim.

No ápice do meu devaneio, sinto dedos me cutucarem. Olho para o lado, um pouco assustado pois pensei que fosse um ladrão ou um trombadinha, quando para meu alívio ouço a pergunta: “Moço, eu poderia lhe desenhar? Custa apenas 5 reais!” Penso um pouco, dou uma olhadinha na carteira e aceito o convite, mas com uma ressalva: “Se o desenho for mais feio do que eu, levo-o de graça!”

O rapaz prontamente tira de uma maleta seu material: lápis, papel e borracha e com eles inicia o trabalho. Fico alí, estático, ouvindo o saxofonista tocar, enquanto o desenhista me retrata. Nestes poucos minutos passo a perceber a falta de interesse das pessoas, que atravessam a estação com o mesmo semblante, triste e cansado. Poucos param para olhar aqueles artistas, que com seus dons alegram o ambiente.

Muitas vezes, estressados que estamos pela rotina diária, encaramos todos como mais uma criatura qualquer e nos isolamos em nossas bolhas de proteção, intransponíveis e insensíveis. Quando no meio do nosso caminho estes artistas aparecem, quase sempre os tratamos como um estorvo a nossa frente. Na verdade, deveríamos estimá-los, pois, apesar dos problemas pessoais que sem duvida enfrentam, eles ainda assim se dispõem a colorir este universo com um pouco de arte em cada rua e esquina da cidade.

Fico refletindo: a arte é o ganha-pão deles, eles estão ali porque também precisam sobreviver. Mas acredito que nós, homens e mulheres “ocupados”,  ganharíamos muito mais se os valorizassem: ganharíamos a  possibilidade de sermos GENTE e não máquinas! Gente que sabe contemplar a beleza da vida, que sabe extrair de uma música, dança ou pintura a força para continuar a batalha do cotidiano. Gente que se solidariza com a  dor do próximo e busca ajudar.

O rapaz me tira do torpor e dá o desenho. Olho para a imagem no papel e vejo que está linda. Pago os cinco reais, agradecendo ao desenhista com um único olhar. O desenho é, sem dúvida, superior esteticamente a qualquer fotografia. Entro no ônibus e a música, aos poucos, vai cedendo lugar ao ronco do motor. A mesma agonia e sufoco de todos os dias me trazem de volta à dura realidade, mas nada me impede de ainda dar uma última olhadela pelo vidro. Um pensamento me vem à mente: “O que seria de nós se estes artistas de rua não existissem?!”

6 Respostas para “O que seria de nós?

  1. James Maquiné

    Muito bem Sr. Paulo Roberto, goste muito do seu texto….. continue assim meu jovem, motre a realidade de nossa cidade atraves de suas palavras.

    James Maquiné

  2. Simples e direto! Gostei muito dessa crônica, são as simples coisas que deixam as mais belas lembranças! Sucesso Paulo

  3. Muito bom Paulo!sua sensibilidade acerca da realidade que te rodeia é notável…

  4. Paulo Roberto Olimpio

    que bom q vc gostou rai rocha…fui eu quem fiz…sinto me lisonjeado com tamanhos elogios

  5. O texto é muito lindo e empolgante… Mistura inumeras sensações, que mesmo que estajamos simplesmente lendo conseguimos sentir as emoções tratadas nele. Gostei muito!

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