Artesanato: a arte-ofício de (ir)mãos

por Dayana Daide

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Mãos – extremidades finais dos braços. Mãos – pés dianteiros dos quadrúpedes. Ou simplesmente – instrumentos que ultrapassam a função de um importante órgão para se transformarem em ferramentas de trabalho em que o homem as utiliza para confeccionar objetos.

As definições postas acima não foram meramente colocadas. O artesão Daniel Galvão, 32, percebeu que através das suas mãos, ele poderia viver, conhecer pessoas e culturas diferentes, e ainda sustentar sua família. Ainda jovem, passando por uma rua em que trabalhos em cerâmica eram expostos, imediatamente se encantou pela idéia de criar peças únicas, onde a imaginação é um dos principais fatores para a elaboração desses produtos. Começou fazendo peças, como colares e brincos para dar como presentes aos amigos e familiares, mas há 16 anos encontrou no artesanato seu oficio de vida.

A idéia de produzir peças singulares também encantou a artesã Inês Azevedo, 67, que há 40 anos cria objetos como, chaveiros, móbiles e colares a partir de sementes, penas sintéticas, cuias, folhas e cipós que a mesma colhe na mata. Confecciona araras, tartarugas e outros animais típicos da Amazônia, além de canoas e quadros entalhados na muirapiranga (madeira conhecida como falso pau-brasil). Esses objetos apresentam um fator comum, pois todos têm traços da cultura indígena. Autodidata, deu seus primeiros passos por esse mundo do artesanato quando ainda tinha 20 anos. A cultura indígena foi o tipo de artesanato que sempre chamou sua atenção e, fascinada por ela, começou a criar algumas peças. Foi por influência de alguns amigos que resolveu vendê-las.

“Sou maluco por opção e não por falta dele” – é dessa forma que Daniel responde àquelas pessoas que imaginam todo artesão não tem estudo. “Generalizar, às vezes, torna-se tão intrínseco da sociedade que ela nem percebe quando está fazendo discriminação”, diz. Ele acredita na importância dos estudos e passa esse principio para seus filhos.

Como na maioria dos casos, a família é um dos principais elementos na vida das pessoas, e para os artesãos esse fato não é diferente.  Inês, casada também com um artesão, conta que criou todos seus filhos através do suor do seu trabalho como artesã, que sempre acreditou que o estudo dignifica a pessoa. Com o passar dos anos, para sua surpresa, uma das suas filhas acabou demonstrando interesse em aprender a fazer o mesmo tipo de artesanato que ela realizava. Atualmente, sua filha possui uma barraca próxima a sua, onde expõe produtos como colares, móbiles, índios na canoa em miniatura, quadros com imagens da Amazônia, entre outros, na feira dominical da Av. Eduardo Ribeiro.

Os percalços que um artesão enfrenta são tão complicados quanto de um trabalhador que exerce um ofício usual. Sem apoio governamental, Inês afirma que uma das principais dificuldades de se realizar esse trabalho consiste no vultoso valor dos produtos (matéria prima) que serão utilizados na confecção da obra, chegando a custar, por exemplo, 15 reais o quilo das sementes de açaí. Ao todo, ela chega a gastar por mês uma média de 500 reais na compra dos materiais.

Outro fator agravante é que, às vezes, o valor adquirido na venda dos colares, quadros, móbiles e entalhes de madeira, durante uma semana, por exemplo, não chega a ser suficiente para dar lucro à artesã. “Aqui a gente vende e compra material e faz de novo pra vender e viver”, afirma Inês.

O catarinense Daniel Galvão, que deseja conhecer, se possível, todo o Amazonas, já passou por São Paulo e está de partida para a Venezuela, partilha da mesma opinião de Dona Inês, dizendo que, por estar sempre em cidades diferentes, uma das suas grandes dificuldades é encontrar os materiais de que precisa, como pedras e miçangas, que serão usadas na confecção dos objetos.

Outra dificuldade apontada por eles consiste na hora de se produzir uma peça. Dependendo do grau de complexidade, ela poderá demorar meses para ser finalizada, demonstrando assim que no artesanato a presença da “ditadura do tempo” também se faz presente.

De acordo com Felipe Lima, 16, que desde muito cedo ajuda seus pais confeccionando brincos, pulseiras, anéis e outros objetos artesanais do tipo e vendendo-os, cada produto demanda um específico tempo para sua criação, e dependendo do grau de detalhamento das obras tais objetos podem levar até meses para serem concluídos.

A respeito da maneira como o público interage com os vendedores, Inês, Daniel e Felipe defendem opiniões divergentes. Enquanto Inês e Daniel narram que já sofreram doses de grosseria por parte dos clientes, Felipe afirma que nunca foi destratado; ao contrário, diz que seus produtos sempre foram bem aceitos pelo público consumidor.

“Pra mim, o que causa essa situação conflitante, esse desconforto entre vendedor e cliente, é o preço dos produtos, que muitos julgam caros demais. É o próprio pessoal da comunidade local que mais reclama disso”, diz Inês indignada.

Irmandade é a palavra que define essa classe de trabalhadores. “A nossa família (artesãos) é a maior família do mundo”, afirma Daniel quando questionado se já enfrentou algum incidente em suas viagens e como o superou. “Teve uma vez que todo o meu mostruário de peças foi roubado, além do meu dinheiro. Fiquei só com a roupa do corpo”, diz. “Mas foi nesse momento de dificuldade que eu encontrei nessa família o apoio necessário para me restabelecer. Meus amigos compreenderam a situação e começaram a me emprestar materiais para que pudesse montar novamente um painel de peças. Levaram o que eu tinha, mas não as minhas mãos”, esclarece.

Já na opinião da artesã Inez, um de seus principais problemas consiste na ausência ou na limitada disponibilidade de verba para ser investida na confecção de um objeto. Diferentemente da situação de Inês, Daniel conta que teve problemas com a fiscalização enquanto ele estava em São Paulo. Felizmente, não teve seu material apreendido, apenas foi pedido a ele que se retirasse do lugar, sendo levado para uma praça “muito afastada e que prejudicou a venda dos meus produtos”.

Apoio financeiro ou empréstimo de capital para ajudar os artesãos seria o pedido de Inês aos empresários ou órgãos competentes do Estado, caso ela tivesse a chance de falar pessoalmente. O mesmo pedido faria o artesão Daniel, solicitando ainda um espaço próprio para cada artesão expor seus produtos, independentemente de ele residir na cidade ou estar de passagem. “Assim, a gente ficaria tranqüilo, sem se preocupar de estar ocupando um espaço proibido”, afirma convicto.

Mas, além desses problemas, os artesãos confessam que enfrentam um problema maior: a desconfiança de algumas pessoas. É verdade que alguns artesãos ostentam um visual fora dos padrões ditos normais da sociedade, causando dessa forma certo desconforto nas pessoas quando passam pelas ruas. Mas Daniel chama a atenção não por estar sentando em uma calçada, no centro de Manaus, mas por estar entre vários artesãos vestidos com roupas ultracoloridas enquanto ele está trajando uma simples regata preta e bermudão, mas suas mãos denunciam, com a habilidade que demonstravam ter, seu amor ao artesanato. Tendo como cúmplices sua criatividade, algumas pedras ornamentais e um pouco de durepox, confeccionava um dragão. A velocidade em produzir o objeto e o tamanho da peça (mediano) era o que efetivamente mais chamava a atenção dos transeuntes. Todos admiravam e sentiam-se atraídos pela peça fora do comum. Alguns se aproximavam e até se atreviam em perguntar sobre ela. Outros, apenas se limitavam a elogiar o objeto e o artesão.

Desconforto, tristeza, um pouco de raiva são algumas definições que os artesãos sentem a respeito daquelas pessoas que não entendem que o que eles fazem é, de fato, um tipo de trabalho. Além disso, há algumas pessoas que não toleram, e tampouco acreditam, que o oficio deles consiste, sim, em uma forma de trabalho. “Tem pessoas que nos chamam até de vadios, como se a gente fizesse esses materiais artesanais porque não quer trabalhar. Eles não têm idéia do que é o nosso trabalho”, diz Daniel. “Eu acordo às 7 da manhã e fico produzindo a manhã inteira para depois sair e vender para sustentar a minha família. Se isso é vadiagem, então eu não sei o significado de trabalho”. Enfática e indignada, Dona Inês exclama: “Vadiagem? Sustentei meus filhos com o suor do meu trabalho, vendendo meus produtos de sol a sol. Isso não é vadiagem, e sim trabalho”.

O artesanato ultrapassa o significado de um simples ofício. Para tantos, é uma forma de sobrevivência; para outros, um negócio de família; e para alguns, é um método de vida. “Artesanato é a minha vida, é o que eu busco e é onde eu quero sempre poder me sustentar”, conclui Daniel.

 

2 Respostas para “Artesanato: a arte-ofício de (ir)mãos

  1. olga maria barbosa saraiva

    Por gentileza, enviar e-mail ou telefone dos artesãos para compras de peças para uma Loja de Artesanato em São Paulo. Muito Grata.
    barbosa.saraiva@terra.com.br

  2. paulo roberto

    boa reportagem dai

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